Ainda que o Sol brilhasse forte, um vento cortante fustigava meus cabelos enquanto minha moto dobrava esquinas e descia ruas. Meus olhos percorriam as placas, e eu já estava impaciente. O tal endereço parecia não chegar nunca!
Finalmente, avistei uma charmosa placa de madeira, que indicava o início da Alameda das Begônias. Árvores floridas enfeitavam as calçadas retilíneas, e até os paralelepípedos da rua tinham um aspecto de limpos e bem cuidados. As residências eram suntuosas e belas, mas pareciam me fitar com desdém e prepotência. Passei por uma praça cuidadosamente arquitetada, com canteiros de flores, um anjo-chafariz e um parquinho colorido, onde crianças rechonchudas e saudáveis eram paparicadas por babás meigas e bem-vestidas. Não pude deixar de analisar o quão contrastante aquilo era com a minha realidade. No meu bairro, raras eram as casas pintadas e escassos os muros não pixados. As crianças corriam catarrentas e sujas e a única vegetação era o mato por entre os buracos do calçamento.
Segui a Rua Girassol e virei à esquina desta com a Rua Gerânio, chegando enfim ao meu destino. Tirei o capacete e saí da moto. Um nº 55 dourado e maciço reluzia sobre o muro revestido de pedras acinzentadas. Através das grades do portão (também douradas, maciças e reluzentes), avistei um extenso e exótico jardim. Flores de todas as cores estavam meticulosamente organizadas em espirais e mandalas.
Após a minha identificação no interfone, o portão se abriu e eu entrei naquele pequeno universo perfeccionista. Segui o caminho circundado por pedrinhas brancas e tentei não me intimidar com a enorme casa no final deste. Embora rústica, mostrava indícios de alta tecnologia, o que me trazia a sensação de um pequeno castelo do século XXI.
A porta foi aberta, e fui surpreendido por quem só podia ser a princesa daquele reinado. Demorei alguns segundos para assimilar aquela composição, que embora padrão, era de uma beleza arrebatadora: o vestidinho cor-de-pêssego combinava com suas unhas e realçava a pele alva; o cabelo louro platinado caia em cascatas sobre seus ombros, e seus olhos verdes sorriam, juntamente com seus lábios rosados e cheios de gloss. Quando ela falou, a sua voz melodiosa percorreu meu corpo inteiro, dando-me um frio na barriga e contraindo as minhas entranhas. Meu cérebro foi invadido por aquelas palavras e só conseguia ecoar a frase da doce menina-mulher:
-Você pode me salvar?
É claro que eu poderia! Por ela, mataria qualquer dragão, enfrentaria qualquer feiticeira, desbravaria qualquer selva de espinhos!
Então, minha mente reassumiu o controle. Eu não era o herói plebeu e nem ela a princesa em perigo. Nossa relação se resumia em dois fatos: eu era o técnico da internet, e ela, uma patricinha urbanóide.
Hara Flaeschen, São-Lourenço, 17 de maio de 2012
sexta-feira, 18 de maio de 2012
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Chuva, bolhas e cappuccino
Era um dia frio. O verão tinha partido completamente, e o
inverno, desrespeitando a presença do outono, já demonstrava seus primeiros
indícios. Contrastando com a paisagem cinza e monótona, os pedestres iam e vinham
pelas ruas, usando roupas coloridas e felpudas. Eu andava, sem rumo, apenas
porque não queria ficar em casa. Sentei em um banco de praça e comecei a
exercer meu passatempo favorito: observar as pessoas. Um casal adolescente
passeava de mãos dadas, e eu quase pude ver a bolha que os isolava do resto do
mundo. Senti uma pontinha de inveja... Há muito eu não me apaixonava! Ignorando
os pensamentos desagradáveis, comecei a escrever mentalmente uma história para
a jovem ruiva elegante e para o rapaz de olhos verdes, que usava óculos. Eles se
casariam, ela seria professora de ballet e ele engenheiro químico. Teriam dois
filhos...
Repentinamente, uma gota d’água gorda e gelada interrompe meus devaneios. Começara a chover. Os jovens enamorados, sem nem imaginarem que preencheram a mente de um estranho por alguns minutos, correram a fim de se protegerem da chuva, e eu tomei a mesma decisão. As pessoas de roupas coloridas abriam guarda-chuvas berrantes, em uma tentativa de quebrar a melancolia que caía do céu. Corri para dentro de um café e sentei em uma mesinha aconchegante. Pedi à garçonete sorridente um cappuccino com chantilly e uma tortinha de chocolate, e percebi que ela me fitava com certo interesse. Eu já estava acostumado com o assédio feminino, embora não o compreendesse. O que as mulheres achavam de tão interessante em um brutamonte de1,90 m
com espessa barba e revoltos cabelos loiros?
Talvez elas gostassem da suavidade de meus olhos azuis, que se
diferenciavam completamente de todo o resto.
Enquanto esperava o cappuccino, resolvi continuar a observar as pessoas,
dessa vez mais detalhadamente. Um senhor rabugento, que escondia a volumosa
barriga por trás de um suéter de lã, reclamava com a garçonete a demora de seu
pedido, enquanto sua esposa passava um batom vermelho combinando com seus
brincos exagerados (que, aliás, estavam horríveis com aquele blazer cáqui).
Comecei a rir discretamente. Aqueles dois provavelmente não se aguentavam mais,
mas não sabiam viver um sem o outro. Eles se completavam.
A porta do café se abriu, e uma rajada de vento gelado entrou. Uma confusão de aromas invadiu o recinto: uma mistura agradável de perfume feminino, cremes e alguma coisa que lembrava um banho de banheira. Distraidamente levantei os olhos para ver quem era a causadora daquele delicioso caos olfativo. Uma jovem mulher, de cabelos escuros e pele cor-de-jambo, fechava seu guarda- chuva florido. Rapidamente, meus olhos analisaram o bom gosto de suas botas verde-escuro e de seu sobretudo vermelho, acompanhado de um cachecol arco-íris. Foi então que seus olhos pescaram meu olhar. E quando eu digo “pescaram”, é porque não consegui desviar meus olhos azuis daqueles intensos olhos achocolatados.
Aquela desconhecida, que era simultaneamente uma explosão de beleza, cores e aromas, em segundos me fez querer estar na bolha dos adolescentes apaixonados e no companheirismo dos velhinhos engraçados. Senti que ela poderia despertar em mim o que quisesse. Poderia ser minha desgraça e minha salvação. Então ela sorriu, e até o tempo parou para olhar imagem tão bela. Ainda sorrindo, caminhou em minha direção e sentou-se em minha mesa. Ela optara por me salvar.
22 de Abril de 2012, Solar dos Lagos, São Lourenço, MG – Hara Flaeschen
Repentinamente, uma gota d’água gorda e gelada interrompe meus devaneios. Começara a chover. Os jovens enamorados, sem nem imaginarem que preencheram a mente de um estranho por alguns minutos, correram a fim de se protegerem da chuva, e eu tomei a mesma decisão. As pessoas de roupas coloridas abriam guarda-chuvas berrantes, em uma tentativa de quebrar a melancolia que caía do céu. Corri para dentro de um café e sentei em uma mesinha aconchegante. Pedi à garçonete sorridente um cappuccino com chantilly e uma tortinha de chocolate, e percebi que ela me fitava com certo interesse. Eu já estava acostumado com o assédio feminino, embora não o compreendesse. O que as mulheres achavam de tão interessante em um brutamonte de
A porta do café se abriu, e uma rajada de vento gelado entrou. Uma confusão de aromas invadiu o recinto: uma mistura agradável de perfume feminino, cremes e alguma coisa que lembrava um banho de banheira. Distraidamente levantei os olhos para ver quem era a causadora daquele delicioso caos olfativo. Uma jovem mulher, de cabelos escuros e pele cor-de-jambo, fechava seu guarda- chuva florido. Rapidamente, meus olhos analisaram o bom gosto de suas botas verde-escuro e de seu sobretudo vermelho, acompanhado de um cachecol arco-íris. Foi então que seus olhos pescaram meu olhar. E quando eu digo “pescaram”, é porque não consegui desviar meus olhos azuis daqueles intensos olhos achocolatados.
Aquela desconhecida, que era simultaneamente uma explosão de beleza, cores e aromas, em segundos me fez querer estar na bolha dos adolescentes apaixonados e no companheirismo dos velhinhos engraçados. Senti que ela poderia despertar em mim o que quisesse. Poderia ser minha desgraça e minha salvação. Então ela sorriu, e até o tempo parou para olhar imagem tão bela. Ainda sorrindo, caminhou em minha direção e sentou-se em minha mesa. Ela optara por me salvar.
22 de Abril de 2012, Solar dos Lagos, São Lourenço, MG – Hara Flaeschen
Assinar:
Postagens (Atom)