domingo, 18 de março de 2012

Cores


Aparentemente não tinha nada de extraordinário, não parecia merecer destaque, não parecia ser diferente e nem parecia ser importante pra que alguém contasse sua história.
Era um menino normal. Gostava de catar minhocas e de soltar pipa. Não gostava de matemática, nem de jiló e nem de coisas azedas. Às vezes faltava aula e ficava jogando futebol na rua. Gostava muito de maria mole e mais ainda da Maria, meninasinha risonha, filha do padeiro.
Mas tinha uma mania engraçada, mania que era mais do que gostar e era melhor do que todas as coisas. Era melhor do que limonada, melhor do que maria mole e a Maria juntas. Era uma mania danada de observar. Observava as pessoas, as paisagens, as minhocas e o moço que passava à tardinha com aquela máquina de fazer pipoca. Mas não eram bem as pessoas, não eram bem as paisagens, não eram bem as minhocas ou as pipocas. Eram as cores. Ele observava as cores. Todas elas. E é bem aí que a gente tem vontade de contar sua história. Tem vontade de falar dele. Porque ele tinha olhinhos de pintor. Se sentia eufórico a cada tonalidade, a cada nova cor. Não observava e nem achava bonito apenas o começo ou o fim do dia quando as cores se fundem em milhares de tonalidades inebriantes. Gostava de observar o branco da pipoca sendo coberto pelo amarelo amarronzado do caldo de cana, e o branco de farinha na cara da Maria que era toda pretinha. Adorava quando a noite ia chegando e o céu ficava quase lilás com uma estrela brilhando sozinha entre as nuvens. Se deliciava quando chegava seu aniversário e a mãe preparava pra ele um bolo de fubá amarelinho coberto de coco branco e colocava bem no meio uma flor rosada do quintal. Às vezes, e torcia para que sua mãe jamais soubesse, cobria a mão de barro e prensava com força na parede branquinha do fundo de casa. E ficava observando o marrom e o branco... e o verde da grama, e o preto do gato, e o azul do céu e o cinza do muro com o violeta da flor.
Estava convencido de que existia um pintor muito caprichoso que combinava todas aquelas cores, e jamais errava nos tons, jamais misturava cores descombinantes. E punha tudo alí, só pra gente olhar e achar bonito.
Um dia o menino dos olhinhos de pintor conheceu um moço muito curioso. Era um moço que não via cores. Contou pro menino que tinha experimentado alguns jilós e coisas azedas pela vida e que agora tudo era cinzento.
O menino foi embora cabisbaixo. Esperou a noite chegar e deitou. Mas não dormiu. Ficou pensando no homem que não via cores. Decidiu que aquilo estava muito errado e resolveu mostrar ao homem algumas coisas.
Mostrou-lhe a pipoca e o melado. Mostrou-lhe o amanhecer, o anoitecer e o entardecer. Mostrou-lhe as flores e o muro e o gato e o bolo de fubá. Foi chamando a atenção do homem a cada nova tonalidade. Por último mostrou-lhe o mais bonito. A Maria. Brincava sentada no chão do lado do padeiro. Toda pretinha com a cara suja de branco, e ao lado, como que por obra do pintor misterioso, uma maçã, uma maçã bem vermelha.
O menino sentou o homem, e falou pra ele, bem baixinho, de pé de ouvido. Falou sobre o pintor. Contou que ele era muito cuidadoso e que pintava tudo aquilo pra que a gente visse, pra que a gente gostasse, pra que a gente se sentisse feliz. Falou num tom muito sério e depois saiu correndo.
O homem foi embora, pensando que aquele menino era doido, pensando em todas as asneiras que ele tinha dito e reparando como estavam amarelos os girassóis naquela primavera.

quinta-feira, 1 de março de 2012

À Clarisse Lispector

Então, como estou totalmente ausente, achei um post de minha autoria, antigo, em outro blog, e resolvi postar aqui, só pra falar que eu ainda faço parte dessa nata literária que é o De boa na ADG! :)



CDF como sou, peguei a obra mais marcante de Machado de Assis (Obviamente, me refiro a Dom Casmurro) para dar uma lidinha básica ;x Eis que tive uma surpresa: Embora no princípio eu estivesse lendo só por motivo de força maior (leia-se: vestibular) eu acabei gostando. Na real, não foi tanta surpresa assim, já que bons leitores geralmente apreciam grandes obras. O fato é que após seu primeiro beijo com Capitu, Bentinho fica refletindo sobre, e acabou me fazendo refletir também: “Talvez abuso um pouco das reminiscências osculares; mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas”. É exatamente assim que a saudade se faz presente. Repassamos a mesma cena, as mesmas palavras, os mesmos sorrisos e até mesmo algumas lágrimas milhões e milhões de vezes. A questão é: Até onde isto é saudável? Até onde devemos passar e repassar cenas anteriormente vivenciadas?

As lembranças muitas vezes são o “convívio social” do solitário ou de quem se faz solitário temporariamente. E em pensamentos solidários (Não, eu não troquei o t pelo d. Eu realmente quis dizer solidário ;p) acabo achando que ao menos temos boas lembranças do que passou. Ao menos isso. E aí passamos de solitários para auto-solidários (manda a nova ortografia se foder u.u), tentando justificar a nossa solidão e nossa necessidade de lembrar do que já não existe. Mas se refletirmos só um pouquinho sobre, veremos que essa auto-solidarização é mórbida! Essa necessidade de fechar os olhos e voltar no tempo, algo que nunca será possível, algo que jamais se concretizará..isso é doentio!
Com tais pensamentos, concluo: Saudade é diferente de masoquismo. Saudade te faz sorrir, te impulsiona para um futuro possivelmente melhor que o passado (por mais excepcional que este tenha sido). Masoquismo é moer e remoer, deixar toda sua vida se extinguir, se apegando apenas aquele fiozinho de felicidade. É deixar tudo de lado, sem querer ver o que o futuro trará. Eu confesso que muitas vezes passo por esse ciclo. Solidão, solidariedade...mas no fim eu sempre me obrigo a sorrir.
Eu sempre penso em como “Carpe Diem” faz sentido(Cá estou eu novamente fazendo alusão aos nossos recursos literários)! Mas quantas pessoas levam a tão famosa frase a sério? Quantas pessoas acordam pensando que são felizes somente por que acordam?
Você faz isso? Eu faço isso? Não sei. Mas deveríamos fazer.


P.S: Pra quem não entendeu o título, eu me referia à característica mais marcante de Clarisse Lispector: Fluxo de Pensamentos! J