quarta-feira, 2 de maio de 2012

Chuva, bolhas e cappuccino


Era um dia frio. O verão tinha partido completamente, e o inverno, desrespeitando a presença do outono, já demonstrava seus primeiros indícios. Contrastando com a paisagem cinza e monótona, os pedestres iam e vinham pelas ruas, usando roupas coloridas e felpudas. Eu andava, sem rumo, apenas porque não queria ficar em casa. Sentei em um banco de praça e comecei a exercer meu passatempo favorito: observar as pessoas. Um casal adolescente passeava de mãos dadas, e eu quase pude ver a bolha que os isolava do resto do mundo. Senti uma pontinha de inveja... Há muito eu não me apaixonava! Ignorando os pensamentos desagradáveis, comecei a escrever mentalmente uma história para a jovem ruiva elegante e para o rapaz de olhos verdes, que usava óculos. Eles se casariam, ela seria professora de ballet e ele engenheiro químico. Teriam dois filhos...
Repentinamente, uma gota d’água gorda e gelada interrompe meus devaneios. Começara a chover. Os jovens enamorados, sem nem imaginarem que preencheram a mente de um estranho por alguns minutos, correram a fim de se protegerem da chuva, e eu tomei a mesma decisão. As pessoas de roupas coloridas abriam guarda-chuvas berrantes, em uma tentativa de quebrar a melancolia que caía do céu. Corri para dentro de um café e sentei em uma mesinha aconchegante.  Pedi à garçonete sorridente um cappuccino com chantilly e uma tortinha de chocolate, e percebi que ela me fitava com certo interesse. Eu já estava acostumado com o assédio feminino, embora não o compreendesse. O que as mulheres achavam de tão interessante em um brutamonte de 1,90 m com espessa barba e revoltos cabelos loiros?  Talvez elas gostassem da suavidade de meus olhos azuis, que se diferenciavam completamente de todo o resto.  Enquanto esperava o cappuccino, resolvi continuar a observar as pessoas, dessa vez mais detalhadamente. Um senhor rabugento, que escondia a volumosa barriga por trás de um suéter de lã, reclamava com a garçonete a demora de seu pedido, enquanto sua esposa passava um batom vermelho combinando com seus brincos exagerados (que, aliás, estavam horríveis com aquele blazer cáqui). Comecei a rir discretamente. Aqueles dois provavelmente não se aguentavam mais, mas não sabiam viver um sem o outro. Eles se completavam.
A porta do café se abriu, e uma rajada de vento gelado entrou.  Uma confusão de aromas invadiu o recinto: uma mistura agradável de perfume feminino, cremes e alguma coisa que lembrava um banho de banheira. Distraidamente levantei os olhos para ver quem era a causadora daquele delicioso caos olfativo. Uma jovem mulher, de cabelos escuros e pele cor-de-jambo, fechava seu guarda- chuva florido. Rapidamente, meus olhos analisaram o bom gosto de suas botas verde-escuro e de seu sobretudo vermelho, acompanhado de um cachecol arco-íris. Foi então que seus olhos pescaram meu olhar. E quando eu digo “pescaram”, é porque não consegui desviar meus olhos azuis daqueles intensos olhos achocolatados.
Aquela desconhecida, que era simultaneamente uma explosão de beleza, cores e aromas, em segundos me fez querer estar na bolha dos adolescentes apaixonados e no companheirismo dos velhinhos engraçados. Senti que ela poderia despertar em mim o que quisesse. Poderia ser minha desgraça e minha salvação. Então ela sorriu, e até o tempo parou para olhar imagem tão bela. Ainda sorrindo, caminhou em minha direção e sentou-se em minha mesa. Ela optara por me salvar.

22 de Abril de 2012, Solar dos Lagos, São Lourenço, MG – Hara Flaeschen 

3 comentários:

  1. Muito bom Hara!
    Eu posso imaginar o que chama atenção num "brutamonte de 1,90 m com espessa barba e revoltos cabelos loiros" e suaves olhos azuis...rsrsr

    Ana Beatriz Gianelli (Bia)

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